PRECISÃO PARA PLANTAR

Fonte Scientific American

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Hoje, como mostram dados da Organização das Nações Unidas (ONU), aproximadamente 10% da população mundial não tem acesso a alimentação suficiente. E a tendência é que esse número assustador venha a aumentar; estimativas sugerem que, em apenas 30 anos, a população mundial passará de 7,7 para 9,7 bilhões de pessoas. Calcula-se que alimentar toda essa população extra exigirá um acréscimo de até 70% na produção de alimentos. Alcançar estes níveis de produção, de maneira sustentável, representa um grande desafio global. O estudo do solo pode ser um dos caminhos para a solução destes problemas.

Segundo artigo do sueco Johan Rockstrom, publicado na Nature em 2009, o planeta possui dez grandes fronteiras que definem um espaço operacional seguro para a sobrevivência da humanidade. Seis destas fronteiras estão associadas ao uso da terra e à qualidade do solo. Algumas delas, que têm relação com as mudanças climáticas, com o ciclo do nitrogênio e com a perda de biodiversidade, já ultrapassaram o limite considerado crítico, e outras (ciclo do fósforo, uso global da água e mudança do uso da terra) estão no limite.

Em 2015, a ONU apresentou 17 metas a serem perseguidas e implantadas até 2030 de forma a assegurar o futuro do planeta. São denominadas Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Dentre os 17 ODS estipulados, 40% estão relacionados ao uso das terras. Além dos ODS, outras iniciativas pertinentes ao impacto do uso do solo na produção de alimentos e no clima vêm sendo incentivadas, tais como a abordagem desse tópico no relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o Dia Mundial do Solo e o Projeto Global para Mapeamento dos Solos.

Em muitos cenários futuros, o Brasil aparece como um líder na produção de alimentos. Até 2050, nosso país será responsável por alimentar 40% da população mundial. Dentro desta perspectiva, as discussões sobre o solo ganham bastante destaque, e é fácil de entender o porquê. Afinal, a qualidade e a quantidade dos alimentos que produzimos estão intimamente ligadas ao solo. Para que cresçam e se desenvolvam, as plantas precisam de luz, água e nutrientes. Estes últimos são obtidos pelo contato direto das raízes com o solo.

DE OLHO NOS SOLOS

Os solos podem ser estudados e compreendidos de diversas maneiras. A mais prática consiste na elaboração de mapas ou inventários. Os mapas são a representação da organização espacial dos solos nos ambientes naturais. Eles permitem que o produtor localize diferentes manchas de solo e, junto com o seu consultor, tome decisões que viabilizem altas produtividades e economia de recursos, tais como a escolha de culturas, cultivares, práticas de adubação, conservação do solo, sistema de plantio, uso de máquinas agrícolas e outras mais.

No Brasil, os mapas hoje disponíveis estão em escalas que oferecem poucos detalhes sobre os solos. Por isso, para alcançar o aumento necessário da produtividade, mapeamentos mais detalhados serão imprescindíveis. Uma iniciativa para mapeamentos mais detalhados dos solos brasileiros foi tomada pelo decreto presidencial nº 9.414 de 19 de junho de 2018 com a criação do Programa Nacional de Solos do Brasil (PronaSolo).

O PronaSolo tem como objetivo mapear mais de 6,9 milhões de hectares, em escalas detalhadas, para planejamento agrícola das terras de maior ou menor potencial, e para adoção de práticas conservacionistas que permitam reduzir ou até eliminar a erosão dos solos. O projeto conta com um investimento de R$ 4 bilhões e conclusão estimada para 2050. Calcula-se que para cada R$ 1,00 investido no solo haja um retorno de R$ 185,00.

Existe algum limite para o detalhamento desses mapas? Os solos, assim como as plantas, apresentam grande diversidade. Alguns terão disponibilidade de fornecer às plantas nutrientes e água em grandes quantidades. Já outros vão exigir práticas de manejo mais planejadas para que sejam produtivos. Com a representação destas características em mapas, cada mancha pode ser relacionada a um determinado potencial produtivo. O conhecimento destas informações permitirá que em cada compartimento do terreno se adote um determinado uso, assegurando assim que o solo seja usado conforme sua capacidade de suporte. Portando, quanto maior a riqueza de detalhes, maiores serão os ganhos de produtividade das culturas, e menores os riscos de degradação.

A TRANSFORMAÇÃO DO CERRADO

No Brasil, o arranque na produção agrícola teve início na década de 1960. O Ministério da Agricultura foi reorganizado e foram criados diversos institutos de pesquisa e experimentação, vinculados ao órgão. Destes institutos surgiu a Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa). A Embrapa reúne diversas instituições particulares e públicas que, por meio de convênios, desenvolvem pesquisas e experimentos que contribuem para o avanço da agricultura brasileira.

O desafio na época era cultivar os solos do Cerrado. Esse bioma, que ocupa cerca de 22% do território brasileiro, apresenta baixa fertilidade natural e alta acidez. Todavia, com a adoção de novas tecnologias, desenvolvidas pelas instituições de pesquisas, as pobres características dos solos do Cerrado foram superadas. Tecnologias de mecanização, insumos agrícolas, uso de fertilizantes, corretivos do solo, fixação biológica de nitrogênio, plantio direto, controle da degradação, análise para a recomendação de nutrientes e o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos tornaram a agricultura viável neste bioma, garantindo o aumento da produção de alimentos no país.

A agricultura de precisão foi outro avanço para a produção de alimentos no Brasil. Este tipo de agricultura utiliza um conjunto de ferramentas e tecnologias que dá ao produtor conhecimento de toda sua área, baseando-se na variabilidade especial da unidade produtiva. O uso das tecnologias englobadas permite que o produtor visualize sua área em mapas. Estes mapas por sua vez garantem a otimização de insumos e recursos, e a minimização de impactos ambientais.

O uso de mapas da agricultura de precisão representa parte da diversidade dos solos. Consequentemente, com a adoção desta prática, é possível reunir informações da fertilidade dos solos e produtividade das culturas, subsidiando tomadas de decisão que garantam a produtividade e a segurança alimentar. Entretanto, a grande diversidade dos solos está relacionada à sua mineralogia, que por diversos fatores nem sempre é considerada ou sequer mapeada.

A mineralogia pode ser definida como a expressão genética dos solos. Temos registro de mais de 400 tipos de minerais. Porém, para os solos de ambiente tropical, os de maior influência são a magnetita, a maghemita, a hematita, a goethita, a caulinita e a gibbsita. As dimensões manométricas (0,000002 cm) destas partículas dão ao solo características como a infiltração de água, a perda por erosão, a disponibilidade de nutrientes, a compactação, a emissão de gases do efeito estufa e outras, que são determinantes para a produtividade das culturas e sustentabilidade do ambiente. Ou seja, o conhecimento destes minerais permitirá adotar práticas de manejo e de uso do solo que vão proporcionar maior produtividade.

O modo convencional de quantificar os minerais do solo exige análises químicas que usam reagentes corrosivos e poluentes, além de horas de trabalho em laboratório e de uma equipe para realização de todas as atividades. Para a obtenção dos dados são gastos cerca de R$ 300,00 por amostra de solo. Levando-se em conta que um processo de mapeamento detalhado exige grande número de amostras e que a área a ser mapeada é imensa, as barreiras econômicas surgem como o maior entrave para estudo e conhecimento dos minerais.

SENSORES PARA O SOLO

Neste cenário, houve o surgimento de tecnologias alternativas para o mapeamento de minerais e até de outros atributos do solo. Destas, a mais destacada tem sido o uso de sensores. Os sensores podem ser posicionados em satélites, drones, bancadas de laboratório e até no campo, graças aos equipamentos portáteis. Eles permitem o mapeamento do solo com ultradetalhamento, coletando assinaturas espectrais e magnéticas de forma rápida e precisa.

As assinaturas reveladas pelos sensores guardam importantes relações com os padrões de solo e suas condições ambientais. É que, além das características já citadas acima, os minerais dos solos possuem elementos tais como expressão, cor e a própria capacidade de o solo se magnetizar. São estes elementos que são captados pelos sensores espectrais e magnéticos, gerando uma assinatura única para cada tipo de solo.

O grupo de pesquisa Caracterização do Solo para Fins de Manejo Específico (CSME) tem adotado o uso desses sensores na maioria de seus experimentos. O grupo tem parceria com produtores de café, citrus e cana-de-açúcar, e vem propondo o mapeamento dos solos em níveis ultradetalhados para melhor planejamento e uso das terras, com foco no aumento da performance agrícola.

As pesquisas realizadas com esses sensores já comprovam sua eficiência no mapeamento da mineralogia dos solos para pequenas áreas (até 200 ha) do estado de São Paulo. O desenvolvimento desses estudos pelo grupo permitiu que os produtores alocassem as cultivares e práticas de manejo e conservação do solo conforme a capacidade de suporte dos solos. Estes resultados aumentaram não só os índices de produtividade e qualidade de cana de açúcar, citros e café, mas também a sustentabilidade do sistema.

Devido a relação dos minerais com outras propriedades do solo, como a suscetibilidade a erosão, a assinatura magnética também permite a confecção de mapas que apontem áreas com maiores ou menores riscos de erosão. A erosão tem sido uma preocupação crescente na agricultura. A formação de 1 centímetro de solo leva mil anos. Estima-se que, durante uma hora de chuva, são perdidos cerca de 5 cm de solo quando este encontra-se descoberto. A erosão, portanto, acarreta perdas de biodiversidade, dos investimentos, da qualidade do solo e da produtividade das culturas.

Os minerais também apresentam alta relação com a emissão de gases do efeito estufa do solo. E a assinatura espectral já tem gerado mapas de carbono e nitrogênio, que auxiliam na definição de zonas com maior ou menor potencial para emissão desses gases. As análises convencionais de carbono e nitrogênio são caras, e exigem o uso de reagentes que são poluentes.

Com o uso dos sensores também é possível quantificar os metais pesados no solo. Os metais pesados são elementos que, a partir de certa concentração, causam contaminação do solo, da água e até dos alimentos. Sua avaliação é necessária para redução dos impactos ambientais. O uso da assinatura espectral permitiu a criação de mapas de metais com o mesmo padrão de variabilidade dos mapas obtidos por análises de laboratório.

Normalmente, oferece-se uma única recomendação de dosagem de herbicidas para uma determinada área agrícola. Com base na assinatura magnética, que varia com a mineralogia do solo, é possível a confecção de um mapa com diferentes doses de herbicida, minimizando os gastos com o produto e com desgaste de equipamentos, e evitando possíveis contaminações desnecessárias.

As pesquisas, que anteriormente eram realizadas em áreas pequenas, hoje já estão sendo desenvolvidas em 13 milhões de hectares, o que corresponde a aproximadamente 50% do estado de São Paulo. A assinatura espectral já permitiu o mapeamento dos minerais hematita, goethita, caulinita e gibbsita. O mapeamento de outros atributos do solo, como fertilidade, carbono, nitrogênio, fósforo, suscetibilidade a erosão, entre outros, também já está sendo considerado para esta área.

Pesquisadores internacionais já fazem uso da assinatura espectral e magnética para mapear a mineralogia e outros atributos do solo em escalas detalhadas para todo o território de seus países. O intuito é que possamos usar estes sensores para mapear o território nacional. Estes mapas serão relevantes para o aumento necessário da produtividade até 2050, e garantir a segurança alimentar em nível mundial.

Autores

José Marques Júnior é docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

Kathleen Fernandes é doutoranda em Ciências do Solo na Unesp

Diego Silva Siqueira é pesquisador do CSME e líder temático em Agrotech.

 

Conheca a revista Scientific American: http://sciam.uol.com.br/

Palestra relacionada ao texto: https://www.youtube.com/watch?v=kAr1o283Yfc&feature=youtu.be

Fonte : Scientific American